"Ya vês, el dia no amanece, polaco Goyeneche
Cantame um tango más..."
Começa assim esta canção de Cacho Castaña, composição instigante e arrebatadora que harmoniza perfeitamente com alguns cálices de Malbec. Gosto de saborear um bom vinho escutando minhas músicas preferidas, e para acompanhar bastam alguns queijos, frios, salames, frutas secas, algumas fatias de pão e tempo, muito tempo. Conheço algumas interpretações desta música, uma delas do próprio autor, mas prefiro as versões femininas e penso que podemos combiná-las com estilos diferentes deste emblemático vinho argentino.
Com Adriana Varella, a mais correta seguidora do estilo de Roberto Goyeneche, casa muito bem o Luca Malbec 2006, elaborado com uvas dos melhores vinhedos da família Catena de Mendoza. É um tinto escuro, concentrado, de suave fineza e grande elegância. Tem muito corpo e um ataque maduro. Já o Tília Malbec 2006 da Bodegas Esmeralda pode acompanhar a voz de Soledad Pastorutti, é esbelto, refinado, boca aveludada como um suave terciopelo, coloração viva e brilhante, mesmo a media luz. Ano passado fiquei conhecendo a versão de Shana Muller, jovem cantora gaúcha. Foi num final de tarde, em sarau realizado no Solar dos Câmara, que fica na rua Duque de Caxias, próximo a Praça da Matriz de Porto Alegre. Não foi possível tomar nenhum vinho naquele ambiente comportado, mas de bom grado escolheria o Malbec Dom Laurindo. Já experimentei este vinho no mais completo silêncio, como nos pedem algumas garrafas e momentos de reflexão. Foram duas grandes revelações, o vinho, contrariando indicações e juízos antecipados e Shana com suas notas e ares tardios de Califórnia. Pensando melhor, foram três revelações, contando com o Sarau do Solar, que acontece todas quartas-feiras, e que retorna agora, sempre com bons músicos e nova programação.
Nina Moreno precisa de outro parágrafo, esta cantante uruguaia que, com seus respeitáveis 80 anos, atravessa as noites da cidade, cantando um repertório inesgotável de músicas latino-americanas. Veio de Montevidéu em meados da década de setenta, junto com outros músicos profissionais, buscando segurança e condições de mostrar seu trabalho. Foi proprietária de uma casa de espetáculos muito famosa naquele tempo, hoje se apresenta em palcos mais acanhados, mas nunca perdeu o estilo, e sabe cantar aquela viejita. Caminha com dificuldade, anda sempre apoiada numa bengala, mas quando arranca Garganta com Arena do fundo de sua alma, desaparecem todas as dores, o ambiente todo se transforma e, como dizem os versos de Lupiscinio, ilumina toda a sala, mais que a luz do refletor. Para acompanhá-la somente um verdadeiro Tannat uruguaio e o violão arranhado do Professor Maseratti. Difícil é encontrar este vinho por aqui, nos supermercados são poucas as marcas do país vizinho, em lojas especializadas, e mesmo nas diversas parrillas uruguaias que se espalham pela cidade, não existe nada de entusiasmar.