El vino da brillantez a las campiñas, exalta los corazones, enciende las pupilas y enseña a los pies la danza. José Ortega y Gasset (1883-1955).

domingo, 5 de julho de 2009

A condenação de Maria Antonieta

Tinha nove anos quando meu pai serviu minha taça de champagne e, pela primeira vez em minha vida, escutei ele contar esta verdadeira história. O jovem Rei Luis XVI apaixonado pela rara e extrema beleza dos seios de sua esposa, decidiu eternizar tamanho encanto e fermosura. Chamou então os melhores artífices do reino e ordenou que aqueles delicados e suaves contornos, fossem reproduzidos em forma de taças do mais puro cristal. Sonhava em poder beber daquela fonte de inspiração por toda sua vida. Maria Antonieta não corou ao desnudar-se para as primeiras provas, fez isto com muito sentimento e retribuição aos desejos de seu amado. Logo todos puderam conhecer o magnífico resultado alcançado e as taças fizeram muito sucesso por salões de palácios e castelos de toda França.

Minha mãe, que tinha alguma ascendência francesa, não tomava vinho e não aprovava estas libações precoces, costumava contar em versos de rima única o trágico destino da rainha e com irônica crueza nos fazia saber das dilacerações mais íntimas de Marie Antoinette. Aos poucos, durante a celebração das festas de fim de ano, entre borbulhas e taças transbordantes dos melhores espumantes de Garibaldi, meus irmãos, primos e primas, inspirados por estes mesmos versos, iam recriando todo o drama, com novos versos, mas com a mesma rima. Muitas vezes eles ganhavam ritmo, misturando-se com os sons que vinham do toca-discos da sala de estar. Minha avó paterna, Christine Julie, gostava muito de cantar nestes encontros de família e nos ensinava canções, que os trabalhadores das minas de carvão extraiam das profundezas do vale do Ruhr. E quase sempre terminávamos estas noites celebrando a derrubada da monarquia e renovávamos nossas esperanças pelo fim de todas as formas de opressão do homem e da mulher.

Hoje em dia elas caíram no mais completo desuso, são inadequadas para apreciação de um espumante, não permitem uma boa visualização das borbulhas, os aromas perdem-se rapidamente. Viraram peças de colecionadores, ou servem então para o preparo de sobremesas requintadas. A minha Maria Antonieta era única, ficava o ano inteiro na cristaleira da sala de jantar e apenas nestas ocasiões tinha o prazer de tocar suas formas, e foi assim por muitos anos. Nunca mais a vi, extraviou-se entre tantas mudanças que conheci ao longo de minha vida, mas nunca perdi o gosto que ela me trazia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Talvez pudéssemos imaginar o Berlusconi inspirando em Luis XVI, pedindo as artífices de Murano para moldar os seios, já não tão delicados, mas inflados de silicone de uma das tantas amadas que tem. Com certeza o fogo seria mais borbulhante.